ALÉM DA FOTOGRAFIA

Compartilhando histórias, pensamentos e dicas

O Explicador

Quando criança, uma das coisas que mais me encantava era a profissão de professor. Conforme fui amadurecendo percebi que não era bem isso que me atraía, haja vista terem passado pela minha vida inúmeros professores péssimos. Na verdade, acho que tive mais professores ruins do que bons, mas os bons…ah, os bons! Esses foram incríveis e criaram em mim essa aura quase mística sobre o ato de ensinar.

O que me cativa é o fato de oferecer a uma outra pessoa a possibilidade de compartilhar e refletir comigo, desenvolvendo uma ideia, um raciocínio. Descobri com o tempo que esse é o meu mecanismo de aprendizagem mais eficaz: explicar algo a alguém.

O professor e filósofo Clóvis de Barros tem um termo que eu acho incrível para descrever qual é essa atividade que eu admiro tanto: ele denomina de EXPLICADOR. Perfeito! Não existe um explicador ruim, afinal um ruim não explicaria nada, só confundiria. O explicador é aquele que nos faz pensar, internalizando com isso o conhecimento. Entender as coisas é um processo incrível que desperta nossa curiosidade sobre assuntos diversos, nos faz desenvolver o intelecto e, quem sabe, nos tornar um novo explicador, replicando e desenvolvendo o conhecimento indefinidamente .

Assim foi comigo. Logo cedo, durante minha graduação, tive minha primeira experiência como explicador: foi em um programa da Unicamp que não sei se existe mais, mas se chamava “Ciência e Arte nas Férias”. Durante as férias de julho, alunos de escolas estaduais vinham à universidade para participar de oficinas desenvolvidas pelos laboratórios ou grupos de estudos das diversas unidades acadêmicas. Eu era aluno de iniciação científica, integrava um laboratório de pesquisa na área ambiental na engenharia civil e desenvolvemos um projeto relacionado à gestão de resíduos sólidos para oferecer uma oficina às crianças.

Eu me lembro como se fosse ontem o primeiro dia em que as recebemos nas dependências da faculdade. Um frio na barriga daqueles! Aquelas criaturinhas eram assustadoras em um primeiro momento, mas foram se interessando pelo que eu dizia, começaram a fazer perguntas (o que para mim sempre é um termômetro de aula boa) e a oficina fluiu muito bem. O que parecia um bicho de sete cabeças no início, tornou-se uma experiência muito prazerosa.

Dali em diante eu sempre estive envolvido com oficinas, palestras, congressos e afins. Quando passei a integrar o órgão ambiental de São Paulo, logo quis me envolver nas atividades de docência dos cursos que eram oferecidos e paralelamente passei a buscar atuação em instituições de ensino de nível superior.

Assim que concluí meu mestrado, não demorou muito para que eu fosse contratado por uma dessas instituições para lecionar no curso de Engenharia Ambiental. Foram 5 anos como docente por lá e, paralelamente, atuando em diversos cursos livres e de especialização em outras instituições de ensino.

O tempo foi passando. Fui percebendo que com ele toda aquela motivação que eu tinha foi se esvaindo, mês a mês, ano a ano. Passei a perceber e enxergar os alunos como pessoas desinteressadas, apenas em busca de um certificado. A preparação caprichada e demorada que eu fazia para as aulas passou a não fazer mais sentido, afinal as pessoas queriam “parecer ser” e não de fato “ser”. Poucos alunos estavam de fato interessados em desenvolvimento intelectual e aprendizado. Aquela dinâmica que eu tanto gostava, de explicar e com isso trocar experiência e acabar aprendendo cada vez mais, não acontecia, de fato.

Muitas das instituições em que atuei faziam de tudo, absolutamente tudo para não reprovar alunos. Meio naquela linha “o cliente sempre tem razão”. Se o sujeito não assistisse às aulas, não estudasse, não tirasse dúvidas e fosse péssimo em avaliações, resultando em sua óbvia reprovação, sempre era solicitado pela coordenação uma “atividade substitutiva”, onerando meu tempo. Se reprovasse na substitutiva, muitas vezes era solicitado aplicar a substitutiva da substitutiva ou um “trabalho” escrito…Uma piada bem sem graça.

Sob tais condições, a minha atuação como explicador parecia não ter muita serventia: bastava ser um professor que fingia que ensinava e os alunos fingiam que aprendiam. Combinação perfeita, desde que recebessem um certificado no final do processo. Esse sistema não era para mim.

Da mesma forma que fui conquistando espaço ao longo dos anos na carreira acadêmica, passei a fazer o processo reverso e comecei a fechar portas, recusar convites, até que pedi demissão da instituição em que lecionava. Fui encerrando precocemente, ano a ano, minhas atividades de explicador.

Depois disso passei anos sem entrar em uma sala de aula no papel de professor… até há alguns dias atrás.

A fotografia entrou tarde na minha vida, mas entrou sem pedir licença, sentou no sofá e colocou os pés na mesa. “Daqui eu não saio” é o que “ela” me diz diariamente.

Além de ter desistido de lecionar há alguns anos, também há bastante tempo e por diversas razões desmotivantes abandonei completamente os estudos na área ambiental. Tudo que venho fazendo no âmbito do desenvolvimento profissional orbita a fotografia.

Mesmo que não esteja diretamente ligado a esse assunto, traz conhecimentos fundamentais para que eu aplique e melhore minha fotografia, como por exemplo, minha pós-graduação em Astronomia. Estudar fotografia vai muito além da prática fotográfica, do ato de fotografar. Envolve conhecer a história, as referências, as linguagens fotográficas e qualquer coisa que vá agregar em seu processo como fotógrafo.

Há alguns dias fui convidado a conduzir um grupo de fotógrafos em parceria com meu amigo Rodrigo Zugaib em um Workshop de Fotografia de Paisagem. Meu papel nesse workshop era orientar os participantes conduzindo-os a executar fotografias de paisagem noturnas, o que popularizou-se chamar de “astrofotografia”.

Da mesma forma que me irrito um pouco com as classificações que são feitas sobre todas as coisas, na tentativa de parecer tudo muito especializado e exclusivo, eu não gosto muito de definir que tipo de fotógrafo eu sou. Eu sou fotógrafo. Ponto. No entanto, é notória minha paixão pela fotografia de paisagem e provavelmente mais notória ainda pela astrofotografia.

Fotografar o céu noturno compondo com a paisagem em primeiro plano é a consagração de tudo que me faz bem: estar em um lugar calmo, longe da cidade, com natureza exuberante, ouvindo os ruídos dos animais noturnos, olhando para cima e identificando as estrelas, constelações, nebulosas, aglomerados e demais objetos criados por nós, seres humanos, que transitam pelo seu céu o tempo todo. Em boa parte das vezes estou acompanhado de integrantes da minha família. O que mais um apaixonado pela família, pela fotografia, pelo cosmos, pela natureza e por ciência pode querer mais?

Trocando em miúdos, fazer isso é algo que aquece meu coração e me traz extrema satisfação.

O primeiro contato com os participantes do workshop foi uma aula inicial, na qual vários conceitos sobre fotografia de paisagem foram abordados, inclusive a noturna. Me chamou a atenção a quantidade e qualidade das perguntas feitas e o interesse de todos naquela atividade. Algo incomum ao longo do meu passado como explicador.

A aula terminou e dois dias depois pegamos a estrada com destino a um local com céu bem escuro no interior de São Paulo. Um lugar no qual vou frequentemente fazer minhas fotos.

Foi nesse lugar que eu experimentei pela primeira vez na vida a alegria de estar proporcionando às pessoas uma experiência e um conhecimento que elas realmente desejavam.

Ao sairmos da van, ouvi várias manifestações de “uau”… talvez tenha sido a primeira vez que alguns deles ou até mesmo todos eles, viram um céu daqueles, muito escuro, pipocando de estrelas cintilantes e sem nenhuma nuvem.

A alegria de ouvir tais interjeições não se compara à alegria que tive após as orientações iniciais sobre como realizar a fotografia da projeção da Via Láctea. Foram gritos de êxtase e gargalhadas de alegria de vários deles ao visualizar no display da câmera a primeira foto realizada na qual a projeção da nossa galáxia nitidamente despontava no firmamento, compondo com a belíssima paisagem do local em que estávamos!

Esse dia foi muito especial, pois remexeu a brasa do explicador que estava quase se apagando e dali surgiu uma chama!

Na verdade, pensando sobre isso ao longo dos dias, cheguei à conclusão de que eu estava enganado: eu nunca deixei de ter prazer em ensinar. Talvez por esse motivo é que eu tenha iniciado o Além da Fotografia e passei a explicar coisas para qualquer anônimo que quisesse ler. Eu acabo perdendo a conexão com as pessoas e a possibilidade de trocar experiências, mas pelo menos exercito minha expressão e alivio essa panela de pressão que tem dentro da minha cabeça!

O que me faltava era encontrar pessoas de fato interessadas em ouvir o que eu tenho para dizer e elas não estavam nos cursos formais, aqueles que elas são obrigadas a participar, seja por pressão da sociedade ou por ser apenas um passo a ser dado para galgar posições maiores em suas carreiras. Minha motivação está em explicar o pouco que sei às pessoas que estão aptas a me ouvir por pura paixão sobre os assuntos que eu tenho para falar. Encontrei esse nicho, finalmente.

Isso é muito gratificante!!! I’m back, baby.

Semana passada encontrei uma das pessoas que coordena cursos em um desses locais em que eu atuei no passado, extremamente desmotivadores. Ela me perguntou se eu ainda estava dando aulas. Com um sorrisinho maroto eu respondi: “Não. Parei”.

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