ALÉM DA FOTOGRAFIA

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O ciclo

O dinheiro traz consigo uma dicotomia arrebatadora: nas mãos certas pode trazer bem-estar, qualidade de vida e justiça social. Nas mãos erradas, pode destruir tudo isso em um piscar de olhos.

 A grande questão é que a balança parece sempre tender para o lado negativo, muito provavelmente porque os amorais têm uma gana pelo poder e, consequentemente pelo dinheiro, muito maior do que os justos. Nesse sentido há uma eterna busca por aumentar poder e influência por meio da multiplicação dos recursos financeiros, muitas vezes em detrimento do ambiente natural e da qualidade de vida das pessoas.

Uma boa parte dos defensores de pautas ambientais ou identitárias, cujas motivações em si são plenamente válidas e necessárias são utilizados, no entanto, por interesses políticos que recrutam gente suscetível à manipulação que não percebe que na maioria das vezes o espólio de povos e nações apropriados por outrem, não tem em suas raízes o ódio a uma raça ou a um povo, mas sim a continuidade de um ciclo infinito de subjugação em nome de mais poder e dinheiro. Não tem a ver com cor, etnia ou religião. Tem a ver com quem está no lugar errado, quando a navalha for cortar.

O dinheiro não tem preconceito.

Assisti recentemente a uma série de TV chamada YELLOWSTONE que me fez refletir muito sobre esse ciclo. Trata-se de um drama que orbita o fazendeiro John Dutton de Montana/EUA, interpretado impecavelmente pelo sensacional Kevin Costner, cuja posse das terras por sua família remonta a 7 gerações.
Os limites do “rancho”, como é referido na história, fica entre uma reserva indígena e o famoso Parque Yellowstone, primeiro parque nacional estadunidense. Apesar de todo o poder e influência de sua família, John sofre uma pressão voraz de investidores que querem se apossar de sua fazenda a qualquer custo e construir resorts, estações de esqui, um aeroporto e urbanizar a região em nome do “progresso”. O grande apelo para fazer isso é a geração de empregos e o pagamento de impostos, o que faz os políticos penderem seus apoios aos investidores.

Para os indígenas da reserva, essa mudança não seria nada mal, afinal, diferentemente do Brasil, nos EUA eles podem explorar a terra com a construção de empreendimentos, como os milionários cassinos. Cidades e acesso fácil à reserva trariam consigo um fluxo muito maior de turistas para seus negócios. É interessante perceber como nesse momento o indígena não está muito preocupado com o meio ambiente. Dinheiro…

Algumas cidades da região passaram por esse processo e foram completamente desfiguradas. Ironicamente, os usuários dessas cidades são residentes de final de semana, em geral cidadãos da Califórnia ou de Nova Iorque com posicionamento mais progressista, desde jogadores de golfe veganos, até membros de clubes de motociclismo. Cidadãos urbanos, moradores de megalópoles e defensores de pautas pseudo ambientais, que se preocupam muito com as mudanças climáticas, mas parecem não se importar com o desequilíbrio do ambiente alheio.

Talvez haja alguma licença poética dos roteiristas nesse ponto, mas da minha experiência de algumas décadas de vida e trabalhando com meio ambiente há muitos anos, percebo que é um comportamento bem típico de uma porção chatérrima dos defensores de pautas “do bem”. É o clássico usuário de canudinho de papel que não faz ideia do dano ambiental  causado pela extração do lítio da bateria do seu Iphone ou do seu MacBook.

A família Dutton obteve a posse das terras das mãos do governo após a expulsão dos nativos que originariamente viviam nela e sequer tinham esse conceito de propriedade. Terra é terra. A floresta foi derrubada e transformada em pasto, um grande dano ambiental. Por mais de 100 anos serviu para a prática da pecuária.

Hoje, o personagem John Dutton luta contra a apropriação de suas terras e de outros fazendeiros em nome da manutenção dos antigos costumes dos vaqueiros (cowboys) e da qualidade dos recursos naturais da região. É, de fato, irônico, porém se remete ao ciclo do dinheiro, cujo mercado imobiliário e da construção civil são grandes detentores e buscarão formas de multiplicá-lo a qualquer custo, não importando quantas e quais culturas e costumes serão destruídos, quantas pessoas morrerão e quais danos ambientais e sociais serão causados.

Os indígenas foram expulsos para o desenvolvimento da pecuária e a pecuária está sendo expulsa para o desenvolvimento do turismo.

Tragamos essa discussão para São Paulo, a mais de 16.000 km de Montana. O Plano Diretor da Capital a cada revisão torna-se mais permissivo à ocupação desenfreada e, principalmente, à verticalização da cidade. Esse fenômeno acontece em todas as outras grandes cidades brasileiras com maior ou menor intensidade.

Os indígenas foram usurpados, assassinados, escravizados e expulsos dos locais em que viviam para a prática da agricultura pelos colonos com seus escravos. Mais tarde, quando abolida a escravidão e com o abandono completo dos filhos da África, foram substituídos pelos imigrantes trazidos da Europa e depois da Ásia. Esses por sua vez, foram removidos do jogo para a construção de bairros residenciais para atender à industrialização que, agora, novamente tem sobre si o assédio das construtoras e incorporadoras para aquisição de suas residências, quase sempre com valores abaixo dos de mercado. A motivação é a construção de enormes edifícios sem alterações na infraestrutura urbana, gerando mais trânsito, conflitos e tornando a vida na cidade um martírio.

O ciclo do dinheiro altera a paisagem, o uso da terra e a qualidade de vida das pessoas, que são jogadas daqui para lá e de lá para cá em função da sua utilidade nesse processo de multiplicação financeiro. Não havendo utilidade para elas ficam à margem da sociedade, sobrevivendo.

Infelizmente, o financiamento de campanhas políticas no Brasil não tem nada de transparente e esses grupos de investidores financiam tanto o azul, quanto o vermelho, o laranja, o verde e seja lá mais quantos partidos políticos tenham relevância no momento. Não importa quem ganha eleições. Todos terão favores a dever a esses grupos, que irão acabar por influenciar nas decisões a serem tomadas na assembleia legislativa, principalmente nas ocasiões de revisão dos planos diretores das cidades.

Edifícios de mais de 50 andares já passaram a ser realidade na cidade São Paulo, fazendo sombra a bairros inteiros, cujas residências ainda existentes nunca mais verão a luz direta do Sol. Contrapartidas? Indenizações? Mudanças na infraestrutura urbana? Nenhuma.

Expulsaram o indígena de sua terra, depois o imigrante agricultor, depois o operário. Sempre com perdas ambientais, econômicas e sociais. Quem será a próxima vítima do ciclo?

É o progresso. De quem?

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