Buraco na camada de ozônio, falta de alimentos, superpopulação, globalização, engenharia genética, aquecimento global/mudanças climáticas, guerra nuclear, choque com asteroides…
Nos meus 42 anos, muitos são os medos associados à extinção da espécie humana que eu vi aterrorizarem muitas pessoas, venderem muitos jornais e promoverem muitos especialistas ou pseudo especialistas nesses assuntos.
Até agora nenhum desses temores se concretizou. Os rumos da civilização, apesar de caóticos, aos trancos e barrancos caminharam no sentido da autopreservação. Entretanto, uma nova histeria coletiva vem se instalando em função do desenvolvimento da Inteligência Artificial, ou IA para os mais íntimos.
O que já foi pura ficção científica, tema de cinema no qual androides fortões do futuro voltam para o passado para aniquilar ou salvar heróis da resistência (depende de qual Exterminador do Futuro estamos nos referindo), hoje é um fato cada vez mais próximo da ficção.
Eu não gosto de me aventurar escrevendo ou falando sobre assuntos que eu não domine minimamente. É por esse motivo que é muito difícil eu emitir minhas opiniões sobre futebol ou os rumos que a economia do país deveria tomar.
Talvez eu seja meio limitado, não sei. Digo isso porque ouço tanta gente falando sobre esses dois assuntos e muitos outros, com tanta certeza, que me faz refletir sobre eu ter limitações intelectuais.
Fato é que eu não sou ninguém para falar em profundidade sobre inteligência artificial. A “IA” é um universo tão complexo e que permeia tantas áreas do conhecimento que eu me sinto completamente inapto para emitir qualquer opinião técnica sobre o assunto.
Em contrapartida, como você já sabe, eu sou um curioso e todo curioso é um observador. Eu sempre fui aquele cara que ficava sentado no fundo da festa, conversando com um, com outro e observando o comportamento das pessoas. Nunca fui o cara da pista de dança, nem o beberrão. Diversão para mim está em outros lugares e uma festa cheia de gente é muito mais uma oportunidade de experimentação e comprovação das minhas percepções sobre o comportamento coletivo das pessoas, do que uma diversão propriamente dita. Eu sei que é triste admitir, mas a maior parte dos indivíduos da nossa espécie se comporta como gado. Talvez até tenha sido essa a vantagem evolutiva que nos fez ser a espécie dominante no planeta.
Sendo assim, eu sempre prestei muita atenção nas reações que as pessoas têm ao serem cientificadas sobre alguma nova emergência mundial que vai acabar com o planeta e essas reações sempre são muito catastróficas. A IA é a bola da vez. Será que dessa vez essa gravidade tem fundamento?
No universo da fotografia essa discussão está quentíssima. A coisa pegou mais fogo quando uma “foto” criada por uma IA ganhou o renomado concurso Sony World Photography Awards. O artista Boris Eldagsen foi o responsável pela submissão da imagem e segundo ele, o fez para verificar se os concursos de fotografia estão preparados para lidar com a nova realidade da IA produzindo imagens.
Pelo jeito não estão. Isso colocou em xeque a competência dos jurados desses concursos, bem como a relevância dos concursos propriamente ditos.
Boris recusou o prêmio.
Toda essa quizumba fez com que o tema escalasse rapidamente para os maiores assuntos discutidos entre os praticantes, jornalistas, entusiastas e leigos da fotografia, ainda mais em tempos de redes sociais.
Percebo que a grande discussão em linhas gerais foca em dois pontos principais: essas imagens feitas por IA são fotografias? A IA vai acabar com a atuação dos fotógrafos?
Não e não.
Fotografar, como o próprio nome diz é escrever com a luz. Se não há um assunto que esteja refletindo luz e uma superfície a ser sensibilizada por essa luz refletida, não é foto. O que a IA faz é gerar uma imagem a partir de bancos de dados de imagens existentes. Não tem nenhum processo fotográfico ali.
Sobre a IA acabar com a figura do fotógrafo só faria algum sentido no dia em que uma câmera robô passar a fazer fotografias. Vai acontecer, não tenha dúvidas, mesmo assim, enquanto existirem pessoas sempre será muito mais valorizada as fotografias produzidas por fotógrafos humanos, muito embora tendo a crer que o consumo desse tipo de fotografia aconteça em um nicho cada vez menor e elitizado, assim como acontece com a música e as artes plásticas.
Na verdade, a fotografia profissional e, principalmente, autoral, nunca foi para o bico de qualquer pessoa. As redes sociais e smartphones só aumentaram esse abismo e a IA vai fazer com que se abra uma verdadeira zona abissal entre os consumidores das imagens produzidas por ela e os das fotografias feitas por fotógrafos humanos.
Tirando o foco da fotografia e olhando de forma mais abrangente, entendo que essa discussão é até certo ponto pouco relevante e está longe de ter a profundidade requerida. Na verdade, se a Lei de Moore estiver correta, que é aquela projeção sobre os computadores dobrarem sua capacidade de processamento a cada 18 meses, em algumas décadas de fato pode ser que suas capacidades de processar informações possam criar algum tipo de rusga entre humanos e robôs, uma vez que a capacidade intelectual das máquinas pode atingir patamares imprevisíveis. Chegarão a ter consciência? Deixo essa para os neurocientistas.
Se chegarmos a isso, pouco importará se uma fotografia feita por IA é fotografia ou não. Não haverá mais humanos para discutir isso ou para fazer fotografias.
Stephen Hawking, famoso físico que nos deixou em meados de 2018, fez uma analogia sobre o futuro da IA que clareou muito a minha mente. Ele achava que, caso não conduzíssemos o desenvolvimento da IA de uma maneira em que a espécie humana jamais deixasse de ser prioridade, um dia poderia acontecer conosco o que acontece com as formigas: em linhas gerais ninguém tem nada contra formigas, no entanto, caso seja necessário construir uma barragem e alagar uma área para produção de energia, passando por cima do formigueiro…azar das formigas.
A discrepância da capacidade analítica entre nós e as futuras IAs, pode vir a nos tornar formigas do ponto de vista intelectual. Poderemos ser seres irrelevantes à ordem mundial no futuro.
Mesmo no caso em que programemos os softwares para no preservar, como ficará no momento em que as IAs consigam ter a capacidade de se auto programar ou criar novas IAs? Para isso, o saudoso Stephen Hawking tinha uma piadinha quando alguém afirmava não haver motivos para preocupação com a IA, uma vez que o ser humano sempre poderia apertar o botão de desligar:
“Deus existe?”, perguntaram as pessoas a um computador. “Agora existe”, respondeu o computador, e derreteu o botão de desligar…